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"Todo mundo sempre teve seu gadinho"

"tocando a boiada"
Embora eu  considere a pecuária uma prática insustentável para a agricultura familiar e comunidades locais/tradicionais. Por outro lado, jamais deixaria de reconhecer a importância social, econômica e histórica da pecuária para a agricultura familiar, e principalmente para as comunidades nativas/tradicionais que  sempre se praticaram a praticara. Ou seja, houve um tempo em que ao cultivo de roças  em comunidades tradicionais era tão importante quanto prática da pecuária. Criar gado sempre foi importante complemento de renda e garantia de comida na mesa. Lembro-me que no sitio meus pais e tios sempre teve boi. Era importante ter leite para as crianças.
Minha mãe por exemplo fazia requeijão, queijo, canjica e claro, o famoso arroz doce, que chamávamos de arroz com leite já que açúcar era uma relíquia e somente era utilizado para adoçar café e em casos excepcionais, para "corar"o arroz ou franco na falta de colorau. Mais que isso, o boi sempre foi a certeza de socorro "na hora do apuro". A certeza de família alimentada, por exemplo.

Gado descansando na sombra de arvores do cerrado
Meu pai diz que "todo mundo sempre teve seu gadinho. Na hora do apuro, o gadinho que ajudava muito. Bem dizer, era o gado que salvava nós da fome". Isso, mesmo. Não você não leu errado. Na entressafra de arroz, milho e feijão,por exemplo, com a troca ou a venda de uma vaca era possível comprar alguns sacos desses alimentos até a próxima colheita. Em caso de doença, também era vendia-se ou dava uma vaca para conseguir transporte até a cidade e remédio. Sem a venda de um boizinho seria impossível a compra de materiais para estudarmos, ao menos a cada inicio de ano letivo. Além disso, o carro de boi também era um meio de transporte importante para transportar alimentos em grande quantidade, a família ou simplesmente, a filharada e alimento até a comunidade mais próxima para seguir para a cidade estudar.

Naquela época, a prática da pecuária era digamos que integrada as outras praticas produtivas, como por exemplo, as roças, cultivo de hortas, criação de porco, e aves como galinha, galinha de Angola, pato e peru. Ou seja, era sustentável. Hoje ela é insustentável, pois está se tornando a única pratica produtiva destas comunidades. Hoje, dado o grau de descaso do poder público em criar condições para que estas comunidades possam produzir o próprio alimento, a pecuária tornou-se  uma das poucas alternativas  de renda que garante a comida na mesa destas comunidades, seja a partir da venda/entrega de leite  para pequenos ou grandes laticínios da região, ou pela venda esporádica para aquisição de produtos alimentícios. 

No entanto, com a irregularidade e cada vez menor o período chuvoso,  "ter seu gadinho" que sempre foi algo mais fácil e barato, está se tornando cada vez mais difícil e caro para  estas populações que possem baixo poder aquisitivo e pouco conhecimento técnico. Infelizmente, não fosse a aposentaria rural, provavelmente muitas delas passariam fome. 

Meu irmão, Vadi tirando/puxndo água do poço
Com o período de seca cada vez mais longo, sem pasto e sem água muitos bois morrem de fome e"Já morreram 7 vacas, todas paridas e com bezerro novo ainda. No ano que vem, acho que precisaremos dar um jeito de fazer um poço artesiano para papai com mãe, e acho que também uma represa para os bois, "se não a vaca vai pro brejo", disse-me  minha irmã no final de novembro de 2015, contando-me que tivemos que comprar ração para o gado, do contrário o prejuízo seria muito maior. Muito mais que as 07 vaquinhas. "Se não chover logo, acho que ainda outras irão morrer. Estão magras demais, ficam atoladas no lamaçal do rio tentando alcançar água", completou.
sede com a estiagem.

Minha irmã, Devania limpando frango caipira do quintal da
Dona Benedita.
Ainda acredito que diversificação da produção familiar é a única forma de garantir a sustentabilidade ambiental, segurança alimentar e nutricional  a população rural. No entanto, olho para  meus pais e outras famílias de agricultores tradicionais e até  para os assentados de reforma agrária espalhados pelo estado  que tive a oportunidade de conhecer nos últimos 12 anos, fica muito claro que depende muito mais do incentivo, investimento e comprometimento  do estado do que da força de vontade, empenho ou disposição delas.

Não dá prá não dizer que, é urgente uma outra abordagem mais social e integrada sobre as comunidades tradicionais. Uma abordagem que leve em conta o processo histórico e cultural de produzir e se relacionar com meio em que vivem. Sem o incentivo ao retorno das antigas práticas agroecológicas e a valorização uso dos recursos naturais, as comunidades tradicionais ficarão cada vez mais vulneráveis e dependente da pecuária. 

Por outro lado, é preciso levar em conta que, muito mais que a degradação ambiental, a pecuária a
Vadi, seu Germano e ao fundo Devania: Família reunida para
tomar Tereré
como principal pratica e alternativa produtiva pelas populações tradicionais, ainda que seja pela idade avançada, como é  o caso dos meus pais é principalmente um problema social e econômico. Criar gado hoje, além da degradação ambiental eminente, é uma prática super cara, Insustentável para estas comunidades hoje formada principalmente por idosos.

Estas comunidades não podem receber os mesmo tratamento e abordagem ou assistência técnica utilizados para atender os assentamentos de reforma agrária. Elas têm outras concepção de vida, de relação com o meio no qual estão inseridas. São outros valores sociais, morais, ambientais e econômicos que precisam ser levados em conta. 

Fotos: Deroní Mendes

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