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Os donos da água

Sei que  foram inúmeros os fatores que contribuíram para a desestruturação das comunidades tradicionais, desde o abandono, total invisibilidade e falta de apoio dos governos locais, estaduais e federais à introdução das sementes hibridas e as mudanças climáticas.  Existe um fator que considero bem determinante que  acelerou  a desestruturação destas comunidades que foi a presença  cada vez mais constante e maior dos "de fora" próximos ou dentro destas comunidades.

Muitos agricultores tradicionais/nativos com por não conseguir mais produzir em sua propriedade acabaram vendendo-os a pessoas "de fora" da região.
Pessoas com maior poder aquisitivo. Não foram poucos os relatos de antigos, nativos da região da Morraria no município  Cáceres e até do meu pai e meus irmãos sobre pessoas que compraram um sitio de um nativo e logo depois comprou outro, e outro e algum tempo depois "virou fazendeiro". 

É óbvio que vários fatores contribuíram para o exito do crescimento dos "de fora" nessas localidades e o consequente suposto abandono das terras tradicionais pelos nativos. Esses fatos são ignorados pelo poder público local. São fatos gravíssimos, praticamente um crime contra essas comunidades.

Sabemos o quanto é determinante a disponibilidade de água para a vida no planeta. se considerarmos que populações rurais possuem baixíssimo poder aquisitivo, podemos afirmar que o regime de chuva e o acesso aos rios são cruciais para a sobrevivência dessas comunidades. Os novos vizinhos dos nativos e comunidades locais sabem muito bem disso e usam isso ao seu favor para forçar os nativos a vender ou abandonar a propriedade. Parece desumano, né?  mas infelizmente, é  uma prática mais frequente do se pode imaginar.

Há casos em que o novo proprietário faz um "aterramento"  no leito dos rios ou córregos que cortam a comunidade represando a água, deixando parte das propriedades sem  acesso a água. Ainda que haja poços, a disponibilidade de águas nos rios e córregos é indispensáveis para os animais, principalmente para o gado e cavalos. 

Lembro-me de um nativo da morraria dizendo, que  um fazendeiro apelidado de Japonês logo que se mudou para região desmatou praticamente  toda a propriedade soterrando totalmente um córrego permanente que praticamente atravessava todas as propriedades de três comunidades na Morraria. "Nóis aqui precisa do rio prá pescar, pro gado e cavalo beber água e outros bichos também precisam do rio. Como é que vamos puxar água do poço no braço  prá esse gado beber todo dia. Nóis já nessa idade. Teve muito que resistiu até quando pode. Mais chega uma hora que a senhora não enxerga uma saída e vê que não adianta ficar dando murro em ponta de faca. Só tem que vender e tirar um dinheirinho e ir prá cidade."

Devido as mudanças climáticas, atualmente, com ou sem aterramento, muitos rios e córregos  dessas comunidades literalmente desapareceram, então a construção de represas para armazenar água durante o ano todo para os animais tornou-se uma prática recorrente, ocorre que ainda assim há um um monopólio dessas águas por parte dos fazendeiros. 

Dauranilce Mendes Outro dia um agricultor daqui disse isso também. Que chove tudo de uma vez. A água escorre e não incharca o solo. O pai do Moacir reclama que os fazendeiros ao redor do sítio fizeram represas enorme e a água não chega para os pequenos. No caso: Sitiantes.

Suas represas são profundas e extensas que devido as chuvas serem em grande quantidade e em curto espaço de tempo, ás águas não "infiltram"  profundamente no solo. Elas escorrem até estas grandes represas  enchendo-as, ao invés de se espalhar por longas extensões encharcando o solo e chegando a mais propriedades. 

Muitos dirão que isso é tudo pura invenção. Que tudo não passa de fruto da imaginação fértil dos locais ou nativos. Já que a chuva é democrática, cai prá todos. A chuva cai para todos , porém, se a sua represas for maior e construída em área privilegiada do relevo em relação as outras, não há dúvidas de que ela acumulará bem mais chuvas que as demais.

Fotos: Deroní Mendes

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