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Ainda invisíveis, ignoradas e excluídas

Foto: Deroní Mendes: Minha mãe e minha socando no pilão arroz
para o tradicional Bolo de arroz com leite de coco de babaçu
.
Domingo (27/12) no  noticiário da TV, o apresentador informou que o sul do nosso continente enfrenta a pior enchente dos últimos 50 anos. Que em países vizinhos, Argentina, Uruguai e Paraguai há milhares de pessoas desabrigadas e que no Rio Grande do Sul  já passa de 2 mil o numero de famílias desabrigadas. Várias cidades em estado de emergência.

Fiquei com essa manchete na cabeça,  pensando quão insustentável é esse  nosso modo de viver e produzir. A ambição e voracidade humana é tão grande  que foi capaz de produzir as mudanças climáticas. Alterar o regime e a distribuição de chuva em nosso planeta.
Foto: Deroní Mendes -  Nossa ex-lagoa  no inicio de janeiro, 
antigamente  deveria estar cheia já.
Lembrei-me  do meu pai dizendo que problema atual não é quase total ausência chuva, e sim a má distribuição delas. E que  " isso não é de agora não". Vem acontecendo sucessivamente, e agravando anos após anos e como ele mesmo diz "nóis que sente. Que tá ali todo dia. vendo o pasto secar. Os bichos morrer. O poço secar . Aí quando chove é aquele pé d'água. Parece que o céu vai cair. Chove num dia ou dois o que antigamente era distribuído num mês inteirinho. Todo dia chovia um pouquinho. A gente que pena com isso. Nóis que sabe .Porque é nóis que sente."  

As consequências das mudanças climáticas começaram a afetar o modo de viver e produzir das populações tradicionais rurais a décadas atrás, porém somente passou a ser levadas a sério pelos governos e cientistas quando começou a afetar a população urbana e  os monocultivos. Só aí perceberam que a coisa era séria. Que uma catástrofe planetária  estava a caminho. Só aí  perceberam  a necessidade urgente de mudar a forma de produzir e explorar os recursos naturais do nosso planeta. Só aí cientistas, lideres mundiais, governos, grande mídia e empresas resolveram dialogar  sobre a necessidade urgente de frear o aquecimento global.

Foto Deroní Mendes: Lago permanente formado as margens da estrada após
o asfaltamento da BR 174  no trecho que liga Pontes e Lacerda  a Vila Bela..
Lembro-me, que quando ainda era criança no sítio dos meus pais e o regime de chuvas por lá ainda era relativamente, regular. Havia dia em que chovia o dia todo. Chovia tanto que era impossível literalmente colocar os pés para fora de casa. Então nós crianças, de quando em quando  nos aproximávamos da janela para verificar se era possível enxergar a água na lagoa.    

Não. Não era uma enchente ou uma inundação. Era algo natural. Após várias chuvas, no decorrer de semanas, o solo estava "encharcados", como dizia meu pai. Os rios e corixo também já estavam cheios. Então, era muito natural que as águas do rios e dos corixos transbordassem  e contribuíssem para que a lagoa enchesse com a chuva que caia calmamente, por um dia in-tei-ri-nho.  Aquilo era tão natural que, jamais tivemos medo de que água da lagoa ou do rio nos desalojassem.

 No entanto, lembro-me que a uns dois anos atrás meu pai e minha mãe relataram  que naquela ano choveu tanto por lá em dois ou três dias  que tiveram medo de que a água da lagoa os expulsasse de casa. Isso, felizmente não ocorreu, porém, finalizou com tristeza dizendo que uma semana depois a lagoa diminuiu drasticamente o volume de água e que até o rio já não se encontrava mais com o volume de água esperado para aquela época.

Foto Deroní Mendes: Minha mãe, Ditinha e a minha tia Nati
na porta da cozinha  entre o preparo do almoço
.
É triste perceber que apesar da preocupação dos governantes do mundo inteiro com  as consequências sociais e principalmente  econômicas  das mudanças climáticas para o mundo, por outro lado não há nenhuma preocupação ou investimento  em resgatar a dignidade daquelas populações que embora sempre tenha contribuído muito para a preservação dos recursos naturais a partir do seu modo de usufruir deles e depender bem mais diretamente da disponibilidade e qualidade dos  mesmos, foram as primeiras afetadas e desestruturadas tanto social e culturalmente quanto economicamente. 

Exceto, alguns  os povos indígenas devido a extensão de suas terras e estado atual de preservação das mesma.  Populações tradicionais rurais continuam invisíveis,  ignoradas e excluídas, tanto aos olhos dos cientistas quanto dos governos no contexto das mudanças climáticas. Elas vivenciam cotidianamente as mudanças climáticas. Mas não são ouvidas. Não são representadas  ou apresentadas e também provavelmente jamais irão a uma  COP.

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