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O sumiço das bananas: "nunca tivemos assistência prá nada"

Mosaico de bananas - Montagem: Deroní Mendes
Lembro-me com bastante clareza das roças do sítio. Papai e meus tios plantavam uma diversidade razoável de especies: Melancia, abóbora, maxixe, quiabo, mandioca, milho, arroz, feijão e é claro, banana.

Esta última, a banana com uma roça exclusiva, onde era possível encontrar banana de fritar (banana da terra), maçã, nanica, inajá, prata e a deliciosa e pouco conhecida,  a banana roxa. Isso mesmo, banana roxa.

A banana era sem dúvida uma aliada importante no nosso cotidiano, além  da utilização do fruto para o preparo de uma diversidade de deliciosos pratos, as folhas secas eram utilizadas para confeccionar  nossos colchões e travesseiros.
As folhas verdes era utilizadas para assar bolos e peixe. Devo ressaltar que no sitio nunca comi qualquer sobremesa  derivada de banana, não porque minha família não gostava ou não soubesse prepará-las , e sim porque , açúcar era uma relíquia, utilizada apenas para adoçar café, ou para adoçar suco em caso de recebermos visitas.

Embora exija pouco cuidado e  a não necessidade de replantio anual, o cultivo de banana foi primeiro que me lembro do "sumiço", e isso me intrigava até pouco tempo atrás, uma vez que o cultivo não depende sementes, e sim do replantio a partir de parte do caule da bananeira a qual acabara de colher um cacho, por exemplo. 

Em 2004, acompanhando a pesquisadora Virgínia Almeida Aguiar em sua pesquisa de doutorado sobre o uso da biodiversidade local por moradores de comunidades tradicionais na na região da Morraria no município de Cáceres, em conversas com os "nativos da Morraria", descobri que o declínio no cultivo e produção de banana, foi digamos que meio que geral  no estado. 

Foto disponível em: http://essenciastudio.com.br/yes-nos-temos-bananas/ 
De acordo com depoimento dos agricultores da Morraria, a região sempre foi uma das maiores produtores de banana, tornando o município de Cáceres no maior produtor de banana do estado, no entanto, a partir do final da década de 1970, a produção foi caindo ano após anos sucessivamente.  Chegando ao ponto de algumas especie como a banana roxa ser totalmente dizimada da região. 

Interessante, pois pelos meus cálculos este também foi o período do declínio da  da produção da banana no sítio dos meus pais, talvez um pouco mais tarde,  em meados da década de 1980, uma vez que eu nasci em 1977, e fui pra cidade estudar em 1988, mas lembro que quando fui prá cidade  não havia mais a roça de banana. 

Reconheço que fiquei muito intrigada mesmo com o sumiço da banana relatado pelos agricultores das comunidades da morraria de Cáceres e também do nosso sítio, foi então que descobri que provavelmente,  ambas regiões  tiveram o cultivo de banana afetado por uma doença chamada Sigatoka Negra  causada por um fungo denominado fungo Mycosphaerella fijiensís Var. difformis. Você já ouviu falar nessa doença ou fungo?

Permita-me, de acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA),  a Sigatoka negra, foi identificada em  Honduras (1972) depois Belice (1975), Guatemala (1977), Nicarágua (1979), México (1980), Costa do Pacífico (1981), Panamá , até chegar na América do sul no inicio da década de 1980.

A Sigatoka Negra  afeta o crescimento normal das bananeiras, desde a produção de novas folhas como dos brotos. Além disso, produzem cachos pequenos, com menor número de pencas, bananas pequenas, polpa apresenta  sabor ligeiramente ácido.

De acordo com a Empresa Mato-grossense de Pesquisa e Extensão Rural de MT (EMPAER) a Sigatoka negra,  resultou em uma queda de 70% da área plantada de banana no Estado de Mato Grosso. E isso interferiu não apenas na segurança alimentar dos agricultores familiar, mas também na geração de renda destas famílias uma vez que aumentou o custo de produção, pois, fazer o controle da doença exigem de  4 a 6 aplicações de fungicidas por ano para o seu controle.

Foto: Deroní Mendes - meu pai, seu Germaninho
 É claro que meus pais, meus tios e os agricultores da morraria  não foram os únicos afetados pela  infestação da Sigatoka Negra em seus bananais. Eles foram e continuam sendo vítimas dos descaso do governo federal, estaduais e municipais com a agricultura familiar.  Eles desconheciam a doença que devastava seus bananais, mas ao que tudo indica, os governos desconheciam  e continuam desconhecendo as demandas deles, os agricultores familiares de comunidades tradicionais.  Pois, consta-se que salvo algumas exceções, que neste caso servem apena para confirmar a regra, agricultores familiares, principalmente de comunidades tradicionais continuam a margem da sociedade, esquecidos pelos órgãos, federais, estaduais e municipais. 

É decepcionante e revoltante, mas percebo que infelizmente, não há nenhum esforço efetivo seja em nível federal,estaduais ou municipais com o intuito de valorizar seus  saberes e praticas ancestrais, e principalmente garantir segurança alimentar dessas comunidades hoje composta em sua grande maioria por idosos que sobrevivem basicamente de suas aposentadoria. 

Foto: Deroní Mendes - Propriedade de agricultores  tradicionais
na Comunidade Nossa  senhora da Guia em Cáceres- M
T
Ainda em dias atuais, agricultores de comunidades tradicionais dificilmente são atendidos recebem assistência técnica adequada ou fomento digno. Quando recebem algum apoio, existe uma imposição tanto por parte das empresas de assistência técnica quanto pelas instituições financeiras que impede a diversificação da produção.  

Querem transformar a agricultor familiar em produtor de leite, apenas. " porque nosso sitio é pequeno, acham que nóis tem que escolher o que vamos produzir, mas eles querem dizer produzir prá vender... Só que eu acho que nóis pequeno, tem que plantar e criar de um tudo... nóis num vai comer pasto, vai?"  denuncia o agricultor da Comunidade Nossa Senhora da Guia do município de Cáceres-MT.

Foto: Deroní Mendes - meu pai, seu Germaninho
"Agora, nós nunca tivemos assistência prá nada. nem da prefeitura nem de  governo, nem de ninguém. Esse ano que veio o pessoal da EMPAER conversar com gente. Marcou reunião, queria saber o que nós queria produzir. ..os homens e as mulher porque ia dar curso prá nós. Mas, nóis já nessa idade...esse era importante, antigamente quando nóis fazia roça. Porque agora nóis já tá tudo veio e num guenta mais plantar nem banana"  lembrou papai, denunciando o histórico descaso do executivo municipal, estadual e federal. Em especial, ao governo do estado e ao prefeito municipal que atualmente, tenta aproximar  destes grupos  historicamente jamais foram atendidos por qualquer programa voltado para agricultura familiar através da atuação da Empaer- MT local.

Comentários

  1. Adorei o seu blog. Li todas as postagens. Parabens e obrigada por compartilhar. Feliz Ano Novo!!!

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  2. Olá Antonieta.Obrigada por visitar o blog e deixar o comentário. Que bom que gostou. Fico muito feliz.

    Fique super a vontade para comentar, sugerir e compartilhar se assim desejar.
    Boas festas e um ótimo 2016.
    Deroní Mendes

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ja compartilhei :D está rodando o Facebook. Parabens
      Boa festas .
      Grande beijo

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    2. Que ótimo Antonieta. Obrigada mesmo por disseminar o blog. Observei na estatísticas que houve vários acessos a partir do seu compartilhamento. Super grata mesmo. Ah, tem post novo. rsrsrs
      Grande beijo boas festas.

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